Melina Bonato, Gerente de P&D, ICC Brazil
O termo imunonutrição é originário de estudos em humanos da década de 1950, com a sugestão de que existe uma relação entre a desnutrição e infecções (Shetty, 2010). Nos anos 1980 e 1990, outros estudos utilizando dados de acompanhamento em populações ao longo de décadas, corroboraram este conceito. A partir de então, a imunonutrição em humanos vem sendo explorada em diversos aspectos mais amplos, considerando-a multifatorial, uma vez que a nutrição está relacionada com a digestão e absorção de nutrientes no trato gastrointestinal, microbiota, sistema imune, órgãos relacionados a processos inflamatórios e seus efeitos secundários, sistema nervoso e produção de hormônios etc. Este conceito é entendido e aplicado à nutrição animal há bastante tempo, já que os conhecimentos nas áreas de nutrição, sanidade, manejo e ambiência são bastantes avançados; no entanto, apenas há alguns anos, o termo “imunonutrição” vem sendo aplicado efetivamente.
É importante entender que o trato gastrointestinal, além de ser responsável pela digestão e absorção, também é um órgão responsável por respostas imunes. Em especial nas aves, aproximadamente um quarto da mucosa intestinal é composta por tecido linfoide e mais de 70% deste são células do sistema imune (Wershil & Furuta, 2008). O tecido linfoide associado ao intestino (GALT) constitui o maior componente do tecido linfoide associado a mucosa (MALT) e uma fonte significativa de células imunes que monitoram e protegem as camadas da mucosa do intestino. O GALT está continuamente exposto a diversos antígenos, microbiota e patógenos (Dalloul & Lillehoj, 2006). Assim, o desenvolvimento e maturação do sistema imune podem ser impactados por fatores externos (ambiente, manejo, condições sanitárias, dieta, etc) e inerentes ao próprio animal (genética, idade).
Estes fatores também têm impacto sobre a microbiota e saúde intestinal. A microbiota intestinal desempenha diversas funções no organismo e tem um papel importante na comunicação bidirecional no eixo intestino-cérebro (Cryan & Dinan, 2012). Ou seja, o sistema nervoso central (SNC), via eixo hipotálamo-hipófise, pode ser ativado em resposta a fatores estressores e como resultado liberar cortisol. O cortisol afetará as células imunes, que iniciarão a liberação de citoquinas pró-infamatórias, que por sua vez, afetarão a permeabilidade intestinal, o que permitirá uma modificação na microbiota (Landeiro, 2016).
O epitélio intestinal, além de ter a função de absorver nutrientes, também atua como uma barreira física. Se a permeabilidade intestinal for afetada, poderá haver a passagem de microrganismos intestinais e lipopolissacarídeos (LPS) para a lâmina própria, ativando as células do sistema imune e liberando citoquinas pró-inflamatórias que impactarão no SNC e sistema entérico (Gareau et al., 2008). Diversas alterações metabólicas podem resultar destas respostas, como febre, ineficiências metabólicas, catabolismo do músculo esquelético e síntese proteica de fase aguda (Korver, 2006). Ou seja, impactarão no desvio de nutrientes e energia que seriam utilizados para o crescimento.
Desse modo, uma resposta pró-inflamatória prolongada gerada por qualquer destes fatores citados acima, pode levar ao próprio comprometimento da imunocompetência da ave. É de suma importância que esta tenha sua capacidade de resposta e proteção construídas ao longo sua vida, isto é, modulada dia a dia; pois o custo metabólico neste caso, versus uma resposta imune induzida é baixo e impactará diretamente na manutenção da homeostase metabólica.
Com o conceito de imunonutrição estabelecido, são classificados como imunonutrientes: aminoácidos (glutamina, arginina, cisteína, taurina), nucleotídeos, lipídios (ácidos graxos monoinsaturados e poli-insaturados, além dos ácidos graxos ômega-3), vitaminas e oligoelementos (vitaminas A, C e E, zinco e selênio) (McCowen & Bistrian, 2003). Existem também algumas substâncias imunomoduladoras, o que significa que não serão absorvidas como os nutrientes, mas que têm a capacidade de modificar a resposta do sistema imunológico (direta ou indiretamente), como: prébióticos, probióticos, fitoterápicos, ácidos orgânicos, e assim por diante.
Um dos imunonutrientes mais estudados na literatura são as β-glucanas originárias da parede celular das leveduras (β- 1,3 e 1,6-glucanas). Seu modo de ação se dá pelo contato e reconhecimento das células fagocíticas ou células apresentadoras de antígenos localizadas na lâmina própria, logo abaixo das células do epitélio intestinal. Estas células possuem em sua superfície receptores do tipo Toll, que reconhecem padrões microbianos e induzem uma resposta imune inata imediata. Após esta ativação e fagocitose, o fagócito apresenta um fragmento processado do antígeno e inicia-se uma resposta em cadeia. Há a liberação de citoquinas pró-inflamatórias que ativarão a produção, liberação e mobilização de mais células fagocíticas, proliferação de células caliciformes (produção de muco), entre outros. O reconhecimento de patógenos/antígenos pelo sistema imune inato desencadeia defesas inatas imediatas e, posteriormente, a ativação da resposta imune adaptativa (Lee & Iwasaki, 2007).
A ativação do sistema imune inato pelas β-glucanas é chamada de imunomodulação, uma vez que estas não estão causando danos ao epitélio intestinal ou invadindo as células epiteliais. Ou seja, apenas modulam as repostas, já que colocam as células do sistema imune inato em “alerta”, preparando melhor o animal para enfrentar os desafios da produção, com um baixo custo metabólico. Este é um fator chave para:
– Aves jovens que estão desenvolvendo seus órgãos imunes, como a Bursa de Fabricius, que é responsável pela produção de células B precursoras da produção de anticorpos (sistema imune específico), e dependem das respostas inatas;
– Aves em períodos de alta demanda metabólica oriunda de desafios sanitários, fatores estressores, disbiose, etc.
Estes benefícios podem ser mensurados pela quantificação de células apresentadoras de antígenos circulantes no sangue, linfócitos T auxiliares (CD4) e citotóxicos (CD8), imunoglobulinas (Bonato et al., 2020), títulos de vacinação, e outros. Com isso, efeitos sobre a manutenção da permeabilidade intestinal também podem ser observados, já que, como citado acima, há uma íntima relação entre microbiota, permeabilidade, intestinal e sistema imune.
Ainda há muito a ser estudado sobre o eixo microbiota-intestino-cérebro, dada a complexidade dos fatores relacionados; porém, o uso dos imunonutrientes, isolados ou associados, traz benefícios já comprovados sobre a saúde, bem-estar, crescimento e produtividade. Por isso, conhecer o modo de ação destes é fundamental para o fazer os monitoramentos corretos, mensurar os benefícios esperados e quantificar o retorno sobre o investimento.
Material ilustrado pautado em dados de experimentos científicos (in vivo), produzido por doutores na área de nutrição animal.
Referências bibliográficas
Bonato, M. A; Borges, L. L.; Ingberman, M.; Fávaro Jr. C.; Mesa, D.; Caron, L. F.; Beirão, B. C. B. Effects of the yeast cell wall on immunity, microbiota, and intestinal integrity of Salmonella-infected broilers. Journal of Applied Poultry Research, 29:545-558, 2020.
Chandra, R. Nutrition and the immune system. Proceedings of the Nutrition Society, 52(1): 77-84, 1993.
Cryan, J. F.; Dinan, T. G. Mind-altering microorganisms: the impact of the gut microbiota on brain and behaviour. Nature Reviews Neuroscience, 13(10): 701–712, 2012.
Dalloul, R. A., H. S. Lillihoj. Poultry coccidiosis: recent developments in control measures and vaccine development. Expert Rev. Vaccines, v. 5, p.143-163, 2006.
Gareau, M. G.; Silva, M. A.; Perdue, M. H. Pathophysiological mechanisms of stress-induced intestinal damage. Corrent Molecular Medicine, 8(4): 274–281, 2008.
Korver, D. R. Overview of the Immune Dynamics of the Digestive System. Journal of Applied Poultry Research, 15:123–135, 2006.
Landeiro, J. A. V. R. Impacto da microbiota intestinal na saúde mental. Tese (Doutorado em Ciências Farmacêuticas) – Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz, Almada, Portugal, 81p, 2016.
Lee, H. K., A. Iwasaki. Innate control of adaptive immunity: dendritic cells and beyond. Semin. Immunol., n. 19, p.48-55, 2007.
McCowen K.C; Bistrian B.R. Immunonutrition: problematic or problem solving? The American Journal of Clinical Nutrition, 77(4):764–70, 2003.
Shetty, P. Nutrition, immunity e infection. Paperback: 224 pages; Publisher: CABI Publishing; 1 edition 2010.
Wershil B.K, Furuta G.T. Gastrointestinal mucosal immunity. Journal of Allergy and Clinical Immunology, n. 121, p. 380-383, 2008.
Publicado em 25 março de 2022